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Canibalismo Deu Pretexto Para Escravizar


A antropofagia surge desde o início dos tempos [...] . A Antiguidade e a Idade Média estão povoadas de narrativas , contos e mitos sobre os "comedores de homens". [...] as doces vovós contam às mais tenras crianças a historinha canibalesca intitulada "Joãozinho e maria".[...] O primeiro testemunho sobre antropofagia na América foi registrado por Álvarez Chanca , que acompanhava Colombo na sua viagem , em 1493. Álvarez Chanca descreveu os caraíba da ilha de Guadalupe, narrando seus hábitos , contando sobre os crânios que possuíam como enfeite e os que ferviam nas panelas. Karib, caribi, caribe , cariva, caraíba , caribales... Canibal.
De fato a origem da palavra 'canibal' está ligada aos nomes dados pelos espanhóis e este grande ameríndio que  se espalhava pela América do Sul afora, das Antilhas até o Xingu. registrada a abominação antropológica , os monarcas espanhóis autorizaram em 1503 a escravidão de todos os  caraíba pelos colonos. No litoral brasileiro, os tupinambá, do grupo tupi, tinham o hábito do canibalismo ritual , onde certas partes de um prisioneiro previamente sacrificado eram comidas às vésperas  de um conflito intertribal. Prova de bárbarie e, para alguns, da natureza não-humana do ameríndio , a antropofagia condenava as tribos que praticavam a sofrer pelas armas portuguesas , entre os quais se encontrava o primeiro bispo do Brasil. [...] A publicação na Europa do livro do marinheiro alemão hans Staden , prisioneiro dos tupinambá no litoral do Rio de Janeiro em 1557, popularizou os textos e as ilustrações fascinantes e aterrorizantes do canibalismo ameríndio. Daí em diante , as gravuras representando o litoral brasileiro continham sempre figuras de antropófagos que esperavam , de tocaia, os incautos europeus desembarcando nas praias. Nesse contexto, um dos autores renascentistas que escreveram sobre o Brasil, o calvinista francês Jean de Léry, morador do Rio de Janeiro na segunda metade da década de 1550 [...] , elabora uma reflexão original que retira o canibalismo do âmbito da animalidade para integrá-lo á história humana e, mais ainda , á história européia de seu tempo. Testemunha e quase vítima dos massacres do dia de São Bartolomeu (24.08.1572) , ponto alto das guerras de religião na França , Léry compara a violência dos tupinambá e a dos católicos franceses que naquele dia fatídico trucidaram e, em alguns casos, devoraram seus compatriotas protestantes. "E que vimos na França (durante o São Bartolomeu) ? Sou francês e pesa-me dizê-lo. [...] O fígado e o coração e outras partes do corpo de alguns indivíduos não foram comidos por furiosos assassinos de que horrorizam os infernos? Não abominemos pois a demasia a crueldade dos selvagens (brasileiros) antropófagos. Existem entre nós (franceses) criaturas tão abomináveis , se não mais, e mais detestáveis do que aquelas que só investem contra nações inimigas de que têm vingança a tomar. Não é preciso ir à América, nem mesmo sair de nosso país, para ver coisas tão monstruosas."

ALENCASTRO, Luís Felipe de. Folha de São Paulo, 12 out.1991, Caderno Especial , p. 7