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Descentralização E Meio Ambiente


Por que esta importância da descentralização para a problemática ambiental? Antes de tudo , porque as ações de recuperação ou proteção ambiental passam dominantemente pelo espaço local: trata-se da arborização de ruas , do tratamento de esgotos , do controle das empresas e dos loteamentos  clandestinos , dos programas especiais para a pobreza crítica , da reciclagem de resíduos , de opções pelo transporte coletivo e outras medidas que exigem um ordenamento detalhado e diferenciado de como organizamos o nosso cotidiano , rua por rua, bairro por bairro , município por município. Enquanto não se der muito mais força ao espaço local, ao chamado  espaço de vida , dificilmente se obterá  uma mudança profunda em termos globais. Isto porque o meio ambiente reage  às agressões de forma sistêmica , criando os grandes dramas mundiais do ozônio , aquecimento global, chuva ácida , destruição dos mares , erosão dos solos, mas fundamentalmente pelo acúmulo dos comportamentos destrutivos pontuais. Segundo, porque a mudança não se realiza apenas com leis e regulamentos , acompanhados dos inevitáveis fiscais. Leis e fiscais são úteis  como pontos de referência , e para com o comportamento delinquente de minorias. Mas quando é o próprio modelo de desenvolvimento e o padrão dominante de consumo que constituem fatores de destruição do meio ambiente , é preciso introduzir um novo comportamento ambiental, e isto não se faz com regulamento , e sim com profundas mudanças culturais. É preciso criar a identificação de cada indivíduo , de cada família , com o seu espaço de vida, com a estética de uma paisagem , com o prazer de um rio limpo, com o respeito pelo vizinho , com uma visão de longo prazo. Esta cultura existe em forma latente dentro de cada um de nós. E por que não se transforma em realidade? Antes de tudo , porque se trata , como bem o mostra Peter Drucker , de interesses difusos , e estes são fracos frente a interesses pontuais. Exemplificando , não há dúvida que um plebiscito para salvar a floresta Amazônica ou proteger os mares obteria o apoio unânime de todo o planeta. Mas ainda que os [mais de] 5 bilhões de habitantes do planeta estejam de acordo  , proteger a Amazônia não pode ser um programa de ação do parisiense , ou do mexicano, porque ele tem mais coisas a fazer. Ou seja, trata-se de interesses difusos, sobre os quais todos estão de acordo , mas que ninguém adota como tarefa exclusiva. Enquanto o interesse de uma madeireira , ou de uma grande companhia de pesca , constitui um interesse pontual e organizado , com um objetivo preciso de faturar milhões de dólares por ano , comprando-se os fiscais ou deputados necessários, o espaço de publicidade na imprensa , quando não os matadores , como no caso do Chico Mendes. A importância do espaço local prende-se justamente ao fato de que , neste nível, os interesses difusos podem ser transformados em interesses pontuais : dizer que um curso de água deveria ser limpo é uma coisa.  Mas organizar os proprietários ribeirinhos cujas propriedades se vêem desvalorizadas , e que sofrem portanto na carne os efeitos de uma destruição ambiental , é outra . A força do "Not in my backyard" [não no meu quintal] na Europa é um exemplo disto : quando a comunidade é organizada em torno dos seus interesses concretos, a defesa dos interesses comuns torna-se viável. 

[Bursztyn, Marcel (org.) e outros. Para pensar o desenvolvimento sustentável. São Paulo, Brasiliense, 1993.)